quinta-feira, 17 de outubro de 2019

CENTELHAS EUCARÍSTICAS: Fragmentos - Final

CENTELHAS EUCARÍSTICAS
 PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
JESUS SACRAMENTADO

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Continuação do  Capítulo

XXXIX

A minha cruz
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Fragmentos

Como se ora bem em certas igrejas solitárias e desertas! Nelas fala-se a Jesus com maior confiança do que em outras, porque Jesus parece estar ali só para nós e em ato de conceder a um só os sorrisos e as graças que, em outras circunstâncias, teria de dividir por milhares de adoradores.

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É inexplicável o temor que certas pessoas têm de apavorarem os seus doentes propondo-lhes que recebam a Jesus como Viático. E são cristãos praticantes, que frequentam os sacramentos e fazem amiúde a Sagrada Comunhão... É possível que Jesus, quando se aproxima dum enfermo para acompanhá-lo à eternidade, antes de tudo lhe perturbe o espírito com ameaças e pavores? Mas, em que parte do Evangelho se lê que Ele tenha apavorado uma só vez que seja algum infeliz, antes de curá-lo? Não é antes verdade que os tenha sempre confortado a todos? E haverá agora quem pense que Jesus trate doutra maneira os doentes necessitados do seu auxílio!... Deixai livre o passo a Jesus que procura as almas, e deixai livres as almas que sentem necessidade de Jesus! O encontro deles é uma festa, e quem o impede comete um delito.

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Ainda que não se estabeleça a prática duma virtude determinada, por exemplo, da mansidão, a pouco e pouco se se torna manso, frequentando a Eucaristia, ou com a Comunhão ou com a Visita; porque Jesus, à medida que se avizinha e toma posse de uma alma, comunica-lhe qualquer coisa da própria índole. É um fato que as almas eucarísticas, não procurando senão a Jesus Sacramentado, quase sem darem por isso, tornam-se humildes e mansas à semelhança d'Ele; porque unindo-se à causa de toda a virtude, participam de todos os seus efeitos, mesmo sem os procurarem.

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Como explicar o fato de certas pessoas as quais, depois da primeira Comunhão, não tinham posto mais os pés na igreja e, chegados à velhice, voltam a frequentá-la sem grande dificuldade, ouvindo com gosto a palavra de Deus, admirando a majestade dos sagrados ritos, e tudo aquilo que a Religião oferece aos seus filhos? A razão está nisto; que o coração humano, uma vez subtraído às paixões que encadeiam de preferência a juventude e a virilidade, vendo-se livre, orienta-se naturalmente pela Eucaristia e volta lá onde recebeu as primeiras, as mais profundas, as mais inolvidáveis doçuras que ainda saboreou em toda a sua vida. Abandonar para sempre Jesus Cristo, depois de tê-lo conhecido, é uma violência demasiado forte à alma humana, e bem poucos têm a triste coragem de suportá-la.

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O sol é sempre belo, tanto de manhã quando doura o oriente, como à tarde quando purpureia o ocidente. Assim Jesus tem sempre os esplendores dum sol de graça e de amor, tanto quando impera sobre uma alma inocente no alvorecer da vida, como quando domina sobre uma alma arrependida no declinar da existência. Os sorrisos da inocência e as lágrimas do arrependimento, quando iluminados pelo Sol eucarístico, têm os esplendores e os revérberos dignos do Paraíso. Não foi sem motivo que Jesus demonstrou tanta predileção pelas crianças e pelos penitentes.

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Nas horas solitárias e tristes mais de uma vez nos foge dos lábios uma aspiração, um gemido, um grito expresso com este simples nome: Jesus! Parece que este nome se perca ou seja inteiramente absorvido pelo ar ambiente e que não seja ouvido por ninguém. Mas aquele grito não se perde; Jesus ouve-o do Tabernáculo e não tarda a responder: que queres de mim? Quem possui, porém, tanta fé e presta tanta atenção que dê uma resposta condigna a esta pergunta?... Como seria belo que Jesus, por sua vez, ouvisse responder: Desejaria amar-te! Então começaria um diálogo que acabaria em um incêndio de amor.

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O espinho que talvez punge mais agudamente o coração quando se sofre e se chora, é o pensarmos que os outros sejam insensíveis à narração das nossas dores, que as ouçam só por cortesia humana, mas não as sintam com caridade cristã. Como é penoso termos muitas vezes de manifestar ou dar apenas a entender as nossas angústias a gente sem coração! Onde, porém, estamos certos, infalivelmente certos de ser ouvidos, compreendidos e compadecidos com amor, é junto do Tabernáculo. O Coração de Jesus é o coração de um homem que sofreu martírios inenarráveis, mas é também o coração de um Deus que ama os desventurados com um amor infinito... Sermos compreendidos e sermos amados: que há de melhor para um coração que sofre?

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Certos corações privilegiados da graça não têm senão uma esperança: a de amarem a Jesus na terra e de o gozarem para sempre no céu: o resto para eles é nada. Bela esperança! Mas quantos sopros gelados caem sobre ela para a estiolarem e fazê-la morrer! Só lhes resta um meio de se salvar: esconder-se junto do Tabernáculo de Jesus. Há ali uma certa flama contra a qual se derretem os gelos mais intensos... Quando um coração vive com Jesus Sacramentado, podeis convidá-lo a amar, a desejar qualquer coisa fora de Jesus: ele não vos compreenderá. E quando uma tentação não consegue fazer-se compreender, é já vencida.

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É sobretudo nos dias da desventura que se conhece quanto seja precioso o bálsamo de uma amizade sincera. Certas almas que nos dias de prosperidade esquecem a Jesus para gozarem as delícias da vida, sem o temor de serem perturbadas por um remorso, quando são feridas por um desengano ou por uma desgraça, já não sentem dificuldade em confidenciarem algum tempo com Jesus no Sacramento: parece que a sua índole se tenha transformado. E, afinal, de transformação não há absolutamente nada: é unicamente o instinto eucarístico que se desperta nessas almas oprimidas pela restrição da dor, impelindo-as para o Tabernáculo, onde pouco a pouco encontram um conforto que antes nem sequer sonhavam poder encontrar-se sobre a terra. Talvez um pouco antes dissessem que tinham perdido a fé: mas não a tinham perdido, estava sepultada debaixo dum cúmulo de prazeres mundanos, desaparecidos os quais, a fé, sem a fadiga de muitas indagações e discussões difíceis, se manifestou em toda a sua beleza e suavemente as reconduziu a Jesus Sacramentado.




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quarta-feira, 16 de outubro de 2019

CENTELHAS EUCARÍSTICAS: A Minha Cruz

CENTELHAS EUCARÍSTICAS

 PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
JESUS SACRAMENTADO

XXXIX
A Minha Cruz
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TAMBÉM a mim Jesus quis dar uma cruz. E que melhor coisa Ele podia dar-me, depois de si mesmo, do que o Trono onde reinou na hora da sua máxima vitória, quando subjugou o inferno? Se Ele há de aparecer no último dia flanqueado pela cruz, não é justo e belo que eu me encaminhe para a eternidade levando-a sobre os ombros?

Às vezes relanceio os olhos em torno e vejo muitas cruzes arrastadas pelos meus irmãos. Ao vê-las tão de longe, parecem-me pequenas e ligeiras, mas se me aproximo a examiná-las, constato que são feitas como a minha e, às vezes, ainda mais pesadas. Não seria uma estulta se perguntasse a Deus porque me deu uma cruz? Eu sou filha de Adão e filha de Jesus: filha do primeiro culpado e filha do maior inocente; portanto? Portanto, devo também eu ter uma cruz para fazer penitência e santificar-me na imitação de Jesus.

Quem é que sabe que eu tenho uma cruz? Quase ninguém. E quem se compadece ao ver-me vergada ao peso dela? Bem poucos e, certos dias, absolutamente ninguém. As criaturas tendem mais para a alegria que para a dor: eis porque os dolentes são muitas vezes abandonados. Mas se poucos ou ninguém se ocupa de mim, há um que sabe tudo que tenho sobre os ombros e me pesa no coração: é Jesus. Que alegria apresentar-me a Jesus e ser conhecida por Ele somente! Assim, posso confidenciar com Ele só, tu a tu, falar-lhe dos meus sofrimentos, sem que o mundo venha tentar-me com os seus perigosos confortos. Ah! Quando se sofre, é muito mais fácil entendermo-nos com Jesus que com as criaturas.

O mundo tem um critério que é uma verdadeira nequícia. Quando alguém geme sob o peso da cruz que o esmaga, julga-se que ele seja um culpado, e, em vez de se admirar a sua paciência e expiação, considera-se exclusivamente a sua culpa e despreza-se. Jesus, ao contrário, segue o critério oposto. Quando vou encontrá-lo, Ele olha-me sorrindo... Mas por quê? Não o tenho eu ofendido mil vezes? Sim, mas agora trago a cruz do sofrimento e da penitência, e é isto o que mais lhe agrada. Se comigo entrassem na igreja todos os reis da Terra cingindo as suas coroas e empunhando os seus cetros, Jesus, ao dar-nos audiência, receber-me-ia a mim de preferência, porque eu trago uma cruz e eles não.

Pobre coração meu! Também tu te lamentas de teres de arrastar uma cruz, tu que eras chamado para alegria e para a felicidade... Pobre coração! De que serviriam todas as minhas penitências se tu não fosses o primeiro a sofrer, e se não sofresses mais que todos os sentidos e quetoda a minha alma? Todo o mal que eu pratiquei não veio porventura de ti? Foste tu que me afastaste de Jesus para me impelir a amar as criaturas; por isso toca-te agora a parte mais amarga da expiação. De resto, és tu que recebes todas as manhãs o teu Jesus; e desejarias que Jesus descesse a um coração sem encontrar nele ao menos um pouco do seu calvário, uma relíquia da sua cruz, uma reminiscência da sua paixão e morte? Ah! Se não tivesses também tu a tua cruz, em um só dia tornar-te-ias tão mau como dantes.

Eu beijo, embora chorando, a minha cruz, porque, se não fosse ela, eu não me teria avizinhando tanto do Tabernáculo. Ah! Quando se sofre, não bastam já ao coração as imagens santas; quer-se uma realidade vivente, falante e, sobretudo, amante; mas onde encontrá-la fora do Tabernáculo? Agora, depois de tantas dores suportadas, se me propusessem aliviar-me da minha cruz com a condição de me distanciar de Jesus Sacramentado, embora esteja cansada de sofrer e desejosa de repousar em paz, repeliria a oferta, como se repele um veneno. A cruz amargura-me a alma e o coração, é verdade; mas não tão completamente, que não lhes deixe intactas e livres as partes mais recônditas, mais secretas e mais delicadas; e é aqui exatamente que vem repousar o meu Jesus quando o recebo na Comunhão. Se a cruz me fere e me pesa externamente, Jesus me alegra e me conforta na parte mais viva e mais íntima do meu ser.

Pensando bem, vejo que é uma estultícia considerar as cruzesunicamente como um castigo dos pecados cometidos. Mais que um castigo, a cruz é uma honra, porque é uma participação da paixão de Jesus e produz na alma uma semelhança belíssima com Ele. Que coisa seriam todas as virtudes cristãs se não fossem embelezadas e enriquecidas por uma cruz? É inútil procurar uma santidade que sofra, porque é impossível haver sabor de virtude que não amadureça sobre o Calvário. Portanto, se sofro, sou honrada e santificada pelo meu próprio sofrimento, e devo agradecer a Jesus que, quando vem encontrar-me, traz-me sempre um pouco desta santidade; nem me devo maravilhar se, depois de feita a Comunhão, voltando às costumadas ocupações, encontro muitas vezes uma cruz bela e preparada... É o presente de Jesus à sua dileta.

A minha cruz é ainda santa, porque me foi dada por Jesus, e é destinada a santificar-me. Contudo, quando adoro Jesus junto do Tabernáculo e, mais ainda, quando o aperto ao coração na Comunhão, depois de lhe oferecer tudo o que a cruz me faz sofrer, não sei por que extravagância do espírito, quisera deixar ali a minha cruz e ir-me embora sem ela. É este um sinal evidentíssimo da pouca perfeição com que o visito e o recebo, e uma revelação da minha insensatez, visto demonstrar como eu tenho esquecido a sentença de Jesus: que não é digno d'Ele quem não arrasta a sua cruz.

Se há uma coisa que deveria fazer-me amar a cruz e tornar-me-la ligeira, é exatamente a Eucaristia; e eu quererei servir-me da Eucaristia para livrar-me das minhas cruzes?

Quando contemplo as imagens do Coração de Jesus, faz-me sempre uma singular impressão o vê-lo com uma cruz implantada sobre o meio, com uma abertura no lado e todo cingido em torno por uma coroa de espinhos: são estes os símbolos dos seus sofrimentos imensos. Mas o que maiormente me impressiona é ver que, das feridas produzidas pela cruz, pela lança e pelos espinhos, saem tantas flamas, que são outros tantos símbolos do amor. Portanto, concluo de mim para comigo, o Coração de Jesus é feito de tal maneira que as feridas que os homens lhe fazem, corresponde, não com os raios da indignação e da vingança, mas com chamas de amor. Oh! Se o meu coração se assemelhasse um pouco ao Coração de Jesus! Como me tornaria bem depressa santa, se a todo o golpe que Jesus me dá com a cruz, a toda a tribulação que me manda, eu soubesse responder, não com lamentos e impaciências, como estou acostumada, mas com outras tantas chamas de amor! E, todavia, se desejo que o meu coração se torne semelhante ao seu, devo desejar amá-lo em proporção daquilo que sofro e desejar sofrer ainda mais para poder amá-lo sempre mais. Assim deveria fazer... Mas, quanto estou longe do perfeito cumprimento do meu dever!

A minha Cruz... Pobre cruz! Um pouco a desejo, e outro pouco a temo: ora a encontro bela, e ora me causa repulsão: hoje beijo-a e amanhã fujo-lhe. E pensar que esta cruz afinal não é minhamas a própria Cruz de Jesus! Se a olho bem vejo ainda aqui e além-pérolas de sangue que corre de mistura com gotas de pranto... São o Sangue de Jesus e as lágrimas de Maria. E porque não desejá-la sempre, não a encontrar sempre bela, não a beijar sempre? Certo que, se espero conhecer-lhe o mérito escutando a voz do mundo, a cruz se me apresentará sempre como uma coisa detestável. O melhor será arrastá-la sempre recorrendo a Jesus e rogando-lhe que ma faça conhecer tal qual ela é, e amá-la quanto merece. Assim farei sempre; e Jesus me verá todos os dias afastada das criaturas, reconhecida ao pé d'Ele e, como uma prisioneira do Tabernáculo, mover-me incessantemente entre a sua Cruz e o seu Coração.
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Fragmentos

terça-feira, 15 de outubro de 2019

CENTELHAS EUCARÍSTICAS: Demasiado Tarde?

CENTELHAS EUCARÍSTICAS

 PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
JESUS SACRAMENTADO
XXXVIII
Demasiado tarde?
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AQUI, diante do Tabernáculo, quero meditar o valor deste grito que me saiu do coração num momento de desconforto. Demasiado tarde!... A minha voz não teve força para dizer mais... E chorei!

É demasiado tarde. E por quê? Porque os meus anos atingem já a medida marcada por Deus: a morte não vem longe; as forças do corpo vão alquebrando-se, enquanto que, por um contraste fatal, outras energias se vão revigorando mais e mais.
Eu vou morrendo a pouco e pouco, e os meus defeitos, que eu não quis corrigir quando tinha força e tempo, longe de morrerem, se vão tornando cada vez mais prepotentes. Eu envelheço, mas parece rejuvenescer a ira que me arrasta a tantas impaciências, a soberba que me sugere e impõetantas vaidades, a sensualidade que me impele a tantos atos de gula, que me induz a procurar mil comodidades da vida e me suscita em toda a alma obstinadas repugnâncias à mortificação... Como poderei agora, tão perto já da morte, vencer inimigos que sempre tenho acarinhado? Como poderei agora alcançar vitória contra um adversário que nunca quis derrotar?... Sempre ouvi dizer que, para vencer uma paixão ou corrigir um defeito, se requerem anos e anos de luta cheia de sacrifícios e de coragem; e como o conseguirei eu agora, quando me restam poucos anos de vida e me encontro tão enfraquecida de forças morais? É demasiado tarde!

Demasiado tarde? Mas não será porventura algum inimigo oculto na minha alma que me sugere esta palavra desconfortante? Pode muito bem ser. Em tal caso, que prudência é a minha que me deixo subjugar por uma palavra, de cujo valor e proveniência posso e devo suspeitar?...

Será verdade que é demasiado tarde? Estou eu certa disso?... Quem foi que mo disse? Não foi Jesus certamente. Antes, Jesus está sempre aqui para me dizer o contrário; Ele repete-me sempre o seu venite ad me omnese depois me assegura que quem come a sua carne terá a vida em si... E dirá isto talvez somente aos jovens, e não a mim que já estou avançada em anos? Portanto, se me chama, é para algum fim: é porque quer melhorar-me e santificar-me. Se quer nutrir-me da sua carne é para fazer-me viver da sua vida, isto é, da vida da santidade. E será demasiado tarde para Jesus o domar as minhas paixões, algemá-las como escravas? Será demasiado tarde para ajudar-me vencer os meus defeitos, a despojar-me dos meus maus hábitos e vestir-me de virtude? Contra o poder da sua graça que coisa são os hábitos mais inveterados, quando detestados e combatidos por uma vontade sinceramente resolvida a dar-se ao bem?

Demasiado tarde? Quantos dias melancólicos e cheios de desolação não me fez já passar esta palavra desconfortante! Persuadida de que já não estava em tempo de corrigir-me em nada, eu olhava com inveja tantas almas progredir na virtude, e não podendo sacudir-me nomeu desalento, em vez de competir com elas na carreira da santidade, deixava-as passar avante, e eu ficava-me atrás, a infinita distância. Aquele tempo preciosíssimo gasto em devorar-me em mim mesmo aquele estultodemasiado tardese o tivesse empregado em qualquer esforço para erguer-me e caminhar também eu, como faziam tantos outros, há esta hora talvez já tocasse os cimos da santidade, ou não estaria ao menos tão longe dela.

Que triste efeito não produz sobre as almas uma palavra não meditada aos pés de Jesus! Se eu tivesse perguntado a Ele o valor daquele demasiado tardeteria logo compreendido que se tratava de um obstáculo lançado sobre o caminho do Paraíso pelo inimigo de toda a esperança, que procura sempre perder as almas incautas. Jesus me teria dito que Ele tanto lhe custa o conservar a inocência de São Luís de Gonzaga, como o abater a relutância dum Santo; o purificar a Madalena de toda a sordidez, como o converter momentâneo do bom ladrão. Ele me teria dito que não lhe custaria nada extirpar num momento do meu coração todos os defeitos que eu não soube e não quis erradicar em tantos anos de vida; Ele me teria dito que, mesmo que estivesse já nos extremos da morte, poderia fazer de mim, tão miserável, uma santa.

Portanto, o tempo para me pôr no caminho do fervor não me falta... O que me falta é um pouco mais de esperança na graça de Jesus; é a oração feita seriamente com este fim; é a perseverança no pedir, e aquele esforço sincero da minha parte para conseguir vencer-me e subjugar-me a mim mesma ao império da vontade divina. Se me resolvo de uma vez a combater corajosamente as minhas más inclinações, a combatê-las todos os dias, confiando sempre em Jesus, eu estou ainda em tempo de fazer muito, ou antes, a fazer quanto é necessário para me tornar santa.

Jesus está aqui. E que está Ele a fazer no Tabernáculo? Onde é que está escrito, quem jamais disse, que Jesus Sacramentado é aceitador de pessoas, e que no seu jardim recolha somente as flores de primavera, desprezando aquelas que desabrocham no tardio outono? Eu sou uma destas flores outonais, porque, em breve, chegarão para mim os gelos do inverno. Desprezar-me-á Jesus? Não reservará para mim um lugarzinho na sua coroa sempre aromosa dos perfumes da santidade? As neves da morte não caíram ainda a sepultar as minhas esperanças; estou ainda em tempo; Jesus ainda não me repudiou... Que farei eu, portanto?

Porei de mira o meu defeito principal e contra ele concentrarei todos os esforços da minha vontade. Todas as manhãs, ou na Comunhão ou na Missa, prometerei a Jesus fazer durante o dia algumas violências sobre aquele defeito; e à tardinha, durante a visita, farei um exame de consciência para saber se mantive a promessa da manhã; se alguma coisa tiver conseguido, oferecerei tudo a Jesus; se não, pedir-lhe-ei perdão. Mas, no entanto, todas as noites renovarei o propósito de recomeçar na manhã seguinte a batalha contra mim mesma e de combater até reportar completa vitória. É um empenho que tomo pessoalmente com Jesus, de servi-lo e amá-lo, flagelando quotidianamente a minha paixão dominante. Desta maneira estou certa de que Jesus tomará da sua parte o empenho de ajudar-me com a sua graça; e com estas duas armas, a graça de Deus e a minha boa vontade, persuado-me de que hei de triunfar.

E se por acaso o inimigo da minha alma voltar a insidiar-me com o seu estulto engano, eu lhe mostrarei o Tabernáculo de Jesus e, recordando-lhe as minhas novas resoluções e as minhas avigoradas esperanças, lhe farei compreender que, se pretende iludir-me ainda, arrastando-me pouco a pouco à desesperação, a sua tentação e as suas traições chegaram realmente demasiado tarde.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

CENTELHAS EUCARÍSTICAS: Pensamento Que Desconforta

CENTELHAS EUCARÍSTICAS
 PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
JESUS SACRAMENTADO
XXXVII
Pensamento que desconforta
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TEM acontecido mais de uma vez que tenha perdido a fé em Jesus Sacramentado quem foi educado e passou os anos mais belos da sua vida à sombra do Tabernáculo. O escândalo contristou as almas piedosas e boas, que acorreram, numerosas e plangentes, aos pés de Jesus, para compensá-lo com o próprio amor da ofensa sofrida, e constrangê-lo a ter piedade do renegado.

E se uma desventura como esta me tocasse também a mim? Grande Deus! Quem me assegura que crerei sempre em Jesus Sacramentado e que sempre o amarei? Também eu posso cair no abismo da incredulidade... Eu, eu mesma, que agora faço todos os dias a minha adoração eucarística, que todos os dias ouço Missa e faço a Comunhão, eu que estou ligada a Jesus por especiais vínculos de amor... Eu posso descer até o ponto de pensar dentro de mim mesma e de professar publicamente que a Eucaristia é uma ilusão, e que Jesus de modo algum vive entre os filhos dos homens... Também eu posso perder a fé... Que pensamento horrendo!

E porque é que outros perderam a fé? E porque posso perdê-la também eu? Mistérios são estes quase impenetráveis à minha mente... Certo é, porém que, sem culpa minha, eu não virei jamais a perder a fé. É verdade que, vivendo num mundo perverso e descrente, eu caminho sobre a orla dum abismo; mas também é certo que, se Jesus, para não deixar-me cair dentro, devesse empregar todos os anjos do Paraíso, de boa vontade o faria, desde quando a minha vontade se não rebelasse contraesse ato da sua misericórdia, e da minha parte fizesse o possível para não precipitar-me.

Portanto, todas as vezes que eu recordar a queda de tantos infelizes apóstatas, elevarei súbito a Jesus o meu coração desconfiado pelo temor, e lhe pedirei, primeiro que tudo, que me conceda a graça de não perder a fé. Resolvo, também, exercitar frequentemente a fé na sua presença real, na Eucaristia. Não mais farei uma visita, ouvirei uma Missa, farei uma Comunhão, sem antes avivar bem a minha fé na presença de Jesus no Sacramento.

É tão pavoroso o pensamento de poder apostatar de Jesus, que estou disposta a qualquer sacrifício de saúde, de honra e de bens, e da própria vida, antes que sofrer uma desgraça como esta.


E tu, ó bom Jesus, que hoje quiseste sacudir a minha alma com um pensamento tão horrendo, faze-me esta graça: abre o Tabernáculo... Abre o teu Coração, e deixa-me esconder dentro, e depois fecha-me todas as portas de saída... Faze-me depois encontrar neste Coração cem calvários e mil cruzes, mas, por caridade! Que eu creia sempre em Ti!

domingo, 13 de outubro de 2019

CENTELHAS EUCARÍSTICAS: As Impressões

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As impressões
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GRANDE consolação sentiria estando com Jesus a meditá-lo, aorar-lhe, a amá-lo! Mas, uma vez que me ponho em sua presença para tratar com Ele, mil divagações me assaltam e me arrastam para longe...

Se me examino um pouco, se entro um instante no tenebroso labirinto da minha alma, concluo que eu sou vítima de tantas impressões que recebo. Uma palavra que me desagrade ou me desgoste, qualquer consolação ou qualquer desprazer, um projeto na mente ou um temor no coração, a consciência de ser enfermiça, a esperança de curar-me ou a certeza de ficar sempre a mesma, uma pessoa encontrada depois de longo tempo, um dever insólito a cumprir durante o dia, a recordação dum recente desgosto ou de uma alegria... E mil outras coisas de pouca ou nenhuma importância, bastam para deixar-me na alma uma impressão, que me dura dias e até meses: e uma só destas impressões basta certas vezes para inutilizar todo aquele pouco de bem que eu porventura faço.

Pobre de mim! Quando recebo uma impressão quase não dou por isso, mas apenas me quero recolher com Jesus, ei-la que se torna viva e, de tal modo se engrandece, que basta para obscurecer toda a minha vida de piedade. Se leio, se medito, se oro, se ouço uma predica, se assisto a uma Missa, se faço a Comunhão, se faço uma visita, eis reaparece aquela impressão, que parecia esquecida, a absorver todos os meus pensamentos. Bem posso eu dissimular, combatê-la, mas aquela bagatela vista ou ouvida, aquela coisa de nada põe-se diante de mim, e não há maneira de a afugentar. Pobres Comunhões as minhas! Que Missas as que eu ouço!

E, todavia, como hei de eu fazer para subtrair-me a esta vexação? Mesmo que me retirasse para um deserto, eu levaria comigo o meu temperamento, e mesmo ali bastaria uma estrela, um hálito de vento, um grão de areia para me impressionarem de maneira a perturbar-me, dia e noite, todas as vezes que eu quisesse entreter-me com Jesus. É possível que as criaturas, mesmo as mais vis, tenham tanta eficácia sobre mim? É possível que eu me tenha tornado tão impressionável? Mas tudo isto, por quê?

É inútil perder tempo à procura dum porquê, que ninguém pode dar-mo. Sou assim feita e assim serei provavelmente até à morte. Portanto, só me resta resignar-me com a minha sorte, e tratar a Jesus da melhor forma que puder...

Contudo, não haveria um meio para viver toda com Jesus e de Jesus, mesmo com o temperamento impressionável que tenho?

Ó Jesus, a ti me encomendo: não poderias tu com a tua graça onipotente fazer-me voar e demorar no teu coração com as próprias asas da minha impressionabilidade? Perdoa-me, ó Jesus, se ouso dar-te um alvitre; mas, bem o vês, este meu alvitre é também uma súplica, e aplica dos pobres agrada-te tanto... Portanto, já que eu tão facilmente retenho as impressões recebidas, faze-me esta caridade: com um teu sorriso, com um sinal, com uma queixa, com uma promessa, com um sentimento, com um dos teus espinhos, com um filamento da tua cruz, com uma flâmula do teu coração, por qualquer meio que mais te aprouver, manda-me uma impressão sobre a fantasia, sobre o coração, sobre a alma, sobre alguma ou sobre todas as minhas potências, mas uma impressão forte, viva, potente, durável, suave ou dolorosa, conforme o teu beneplácito, contanto que eu a sinta sempre viva, de dia e de noite, quando oro, quando trabalho, quando gozo e quando sofro, sempre e emtoda a parte... Em suma, eu te peço que seja por ti impressionada de tal maneira, que não possa jamais esquecer-te... Peço muito? Mas, no fim de contas, nada mais desejo, senão conservar a paz, quando quero estar contigo...

Em conclusão, ó Jesus: tu queres que eu ore bem, e eu estou deacordo, quero orar bem; mas eu sou perturbada pelas impressões que recebo de fora, e não consigo superá-las; portanto, ou dissipá-las tu da minha alma com a tua graça, ou superá-las e vencê-las com outras impressões, que venham diretamente da tua piedade e do teu amor.

sábado, 12 de outubro de 2019

CENTELHAS EUCARÍSTICAS: Um empenho de amor

CENTELHAS EUCARÍSTICAS

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XXXV
Um empenho de amor
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PORQUE amo tão pouco o meu Jesus? Porque é que eu procedo dum modo que ocasiona um verdadeiro dano à minha alma e é um agudo espinho que fere o coração do meu Jesus? Para dizer tudo, porque deixo eu às vezes de fazer a Comunhão? Não é por falta de tempo, porque, indo à Missa todas as manhãs, poderia perfeitamente abeirar-me da Mesa Eucarística; e mesmo que dispusesse de pouco tempo, antes que abandoná-la, poderia contentar-me com uma preparação e ação de graças muito breves, reservando-me os momentos vagos durante todo o dia para me entreter com Jesus. Também não é por causa das minhas quotidianas venialidades, sabendo eu perfeitamente que os pecados veniais não impedem a Comunhão, mas devem, ao contrário, ser um incentivo para fazê-la, desde que se peça a Jesus o seu perdão. Portanto, porque não faço eu todos os dias a Comunhão, quando com um pouco de boa vontade poderia sempre fazê-la?

A razão é esta: é que até hoje não mostrei um empenho sério aeste respeito; amo a Jesus, mas não tanto que sinta alguma pena no coração quando, sem necessidade, renuncio a recebê-lo. Não penso que, se o omitir a comunhão quotidiana não é um pecado, é pelo menos uma indelicadeza, que Jesus não merece. Todos os dias renovo a resolução de não cometer pecados, mas jamais fiz o propósito firme de fazer todos os dias a Comunhão, e por isso, não tendo o coração empenhado neste ponto, facilmente tomo a liberdade de fazê-la, conforme, ao despertar de manhã, sinto ou não essa inclinação. Se eu considerasse a comunhão quotidiana como um dever, ou ao menos tomasse a resolução séria de fazê-la sempre, não a descuraria com tanta facilidade.

Portanto, para chegar a uma conclusão prática, eu hoje quero tomar um duplo empenho: um a meu respeito, outro a respeito de Jesus. Quanto a mim, desde hoje me empenharei em procurar para a minha alma todo o bem que eu puder; e como o maior é sempre ter Jesus no coração, prometo seriamente recebê-lo todas as vezes que puder, isto é, todas as manhãs. Com relação a Jesus, como Ele nenhuma coisa deseja com mais ardor do que habitar no meu coração por meio da Comunhão, e deseja isto todos os dias, por isso resolvo dar-lhe todos os dias essa consolação, embora me custe algum sacrifício.

Tomando este empenho, eu vejo-me como que obrigada a fazer a Comunhão quotidiana, de modo que, deixando-a sem uma razão séria, eu devo sentir no coração algum remorso; e se por acaso a preguiça, a meticulosidade ou qualquer outro pretexto pretender afastar-me de Jesus, subitamente uma voz de exprobração me gritará ao coração: Como! Depois de teres prometido fazer a Comunhão quotidiana, abandona-la agora... E por tão pouca coisa? Jesus espera-te, e tu és tão preguiçosa que o deixas só? E se, nesta Comunhão que não queres fazer, Ele estivesse resolvido a enriquecer-te com alguma graça extraordinária?

Não quero que na minha conduta se repita o absurdo de me entusiasmar por certas vantagens secundárias, postergando outras de importância imensamente maior; isto é, de tomar grande empenho e obrigar-me até o ponto de sentir escrúpulos, se não faço uma determinada oração, uma prática de piedade ou uma mortificação todos os dias, e mostrar-me indiferente em fazer ou não a Comunhão quotidiana. Haverá uma ação mais bela, mais vantajosa e mais cara ao Coração de Jesus que a santa Comunhão? Portanto, por que ligar-me com empenho a poucosPadres Nossosa uma terça parte do Rosário, a uma abstinência, a um jejum, e não empenhar-me em receber todos os dias o meu Jesus? À noite, quando estou para deitar-me, mais de uma vez me acontece recordar-me de que não recitei uma oração imposta por alguma confraria a que pertenço; pois, apesar de violentada pelo sono, tenho sempre resistido, não adormecendo enquanto não cumpro o meu dever. E por que, de manhã, não procedo eu do mesmo modo com relação à Comunhão? Não merece porventura Jesus mais atenções e mais amor que um Santo, um Anjo e a própria Maria Santíssima? Oh! Como seria belo, se se instituísse também, à semelhança de muitas outras, uma Confraria ou Associação para a Comunhão quotidiana?

Ó Jesus, eu prometo hoje ligar-me a ti por uma nova cadeia; eu me obrigo a fazer todas as manhãs a Comunhão, desde que as forças e o tempo não me faltem; e peço-te, ó meu doce amor, que, se faltar à minha promessa, me enchas o coração de tanta amargura e tão grande pena, que eu não venha a faltar mais à minha palavra; e se porventura me for impossível fazer a Comunhão sacramental, eu te prometo fazer a espiritual. Com este propósito, eu entendo unir-me sempre mais ao teu Coração e constrangê-lo a amar-me sempre mais, a abençoar-me todos os dias com novas bênçãos e a inscrever-me desde hoje no livro dos eleitos. Portanto, ó meu Jesus, eu espero que a Comunhão quotidiana será desde hoje como uma necessidade imprescindível do meu ser, uma obra necessária ao meu organismo espiritual. Oh! Como passarão belos e serenos os dias que me restam de vida! Todas as manhãs encontrar-me com Jesus! Todas as manhãs lavar a minha alma no seu Sangue! Todas as manhãs empenhá-lo em dar-me a vida eterna! Todas as manhãs procurar-lhe a mais bela consolação da sua vida eucarística!

A minha resolução está tomada: salvo o caso de verdadeira impossibilidade, todas as manhãs receberei o meu Jesus... Haverá sobre a terra dias sem sol, mas, na minha vida, não haverá nenhum sem Comunhão.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

CENTELHAS EUCARÍSTICAS: Reservas Culpáveis

CENTELHAS EUCARÍSTICAS

 PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
JESUS SACRAMENTADO

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XXXIV
Reservas culpáveis
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É Jesus que fala

CHAMAS-ME, e eu venho sempre. Dizes que me amas, e eu creio no que dizes. Ofereces-te toda a mim; mas, apenas desço ao teu coração, encontro-o ocupado em parte pelos outros, de modo que, muitas vezes, só me resta um lugarzinho bem limitado, e nem sempre o mais belo.

Costumas repetir-me sempre a mesma oração — que me amas, que me desejas, que queres ser toda minha; e não reparas em que, se as palavras dizem uma coisa, os fatos manifestam o contrário do que dizes.

Ousas dizer que és toda minha? Mas... E aquelas reservas que fazes, não as tomas em nenhuma conta? Se tu não lhes ligas importância, ligo-lha eu. Eu vejo perfeitamente que, juntamente comigo, queres que estacionem no teu coração muitas paixõezinhas, que te são mais caras do que eu. Desejas-me, chamas-me, é verdade; mas não me queres absolutamente conceder o lugar ocupado pelo amor próprio, por uma certa sensualidade, pela cobiça, pela ira e por muitas outras misérias que tu sabes.

Queres ser minha, mas com a reserva de cultivares pensamentos de vaidade, desejos de fazeres bela figura entre os iguais, de receberes elogios e preferências dos superiores; com a reserva de julgares sinistramente e severamente as ações dos outros; com a reserva de pronunciares palavras de crítica, não tanto sobre as ações más que vês, mas sobretudo acerca das intenções que não vês; com a reserva de, por dias inteiros, te ressentires de uma pequena ofensa, de levares a efeito certas pequenas vinganças, de desafogares certas pequenas malignidades.

Dizes que és minha e toda minha; mas distribuis o teu coração aqui e além por tantas criaturas, de modo que a mim bem pouco me resta; deixas-te guiar por simpatias, afeiçoas-te levianamente a tantas criaturas, e por elas fazes sacrifícios dos teus haveres e da tua pessoa, que por mim certamente não farias.

És minha? Tu? Mas repara bem, e verás que a mim só concedes o que as criaturas te não pedem, o que elas não sabem apreciar. Dás-me orações, coroazinhas, missas e várias outras devoções: tudo coisas muito boas, mas que não perturbam as tuas paixões. Oras, mas, entretanto, murmuras; rezas o terço, mas intrometes-lhe uma ladainha de lamentos contra os superiores e o próximo; ouves Missa, mas depois lês um livro frívolo; tens uma conversação mundana, assistes a um espetáculo que, se não é mau, é pelo menos pouco edificante. Se eu tivesse de privar-te, ou de uma oração ou de uma murmuração, qual das duas deixarias tu? Sentes maior gosto em fazer certos pecadozinhos de gula ou em fazer a Comunhão? Prende-te mais a atenção aquela amizade ou o Tabernáculo? Entusiasma-te mais um belo vestido ou uma bela virtude? Estarias disposta a fazer qualquer sacrifício para receber-me? Por exemplo: — ouvires dizer que és uma nulidade, retardares mais um pouco a tua refeição, transtornares um pouco os teus hábitos?

Como vês, eu não sou ainda o senhor absoluto do teu coração; muitos outros há que me disputam a posse; e estes outros não são do número dos meus amigos. Ah! Quantas reservas indevidas! Quanta mesquinhez para comigo!... Ouve com atenção: se eu me mostro muitas vezes resistente em não conceder-te certos favores, a culpa é tua; é porque não queres despojar-te, por meu amor, das misérias que te cobrem e te afogam o coração. Pretenderias, talvez, que eu te vestisse com os esplendores da virtude e da graça, isto é, que cobrisse com a minha beleza as tuas fealdades? Não, isto não o faço! Primeiramente desembaraça-te daquilo que não me agrada a mim, e eu te concederei o que te agrada a ti. Se não tens coragem para te livrares de tantas misérias, deixa que a tenha ao menos eu! Como queres tu que eu purifique o teu coração e te santifique toda, se à obra da minha graça opões sempre as tuas reservas? Como queres que a Comunhão te faça santa e produza em ti todos os seus efeitos, se te reservas sempre o triste direito de conservar no coração as tuas paixõezinhas, se pretendes sempre deixar imperturbadas as tuas más inclinações?

Tu não queres regular a tua generosidade pela minha; e eu sou constrangido a regular a minha pela tua. Tu contentas-te com não fazer pecados mortais; e eu limito-me a não te pôr no número dos meus inimigos. Tu negas-me certos sacrifícios do amor próprio, da gula, da preguiça, da malignidade; e eu te nego tantas graças que em pouco tempo te fariam santa. Tu te contentas com não matar-me; e eu me contento com conservar-te a vida. Tu tens as tuas reservas, e eu tenho as minhas. Está bem assim?

Se continuas deste modo, acabares por expulsar-me definitivamente do teu coração; e se presentemente reservas lugarzinhos pequenos para as tuas paixões, dentro em breve já não haverá lugar para mim, porque as paixões nunca dizem basta, e a pouco e pouco querem elas ficar senhoras de tudo.

Tu mesma compreendes que as coisas assim vão mal, e que, a respeito de santidade, estás muito fora do lugar. É por isso que me pedes que te livre das tuas paixões e que eu mesmo destrua aquelas reservas. Mas examina um pouco a tua consciência, os íntimos segredos do teu coração, e verás que, enquanto me oras, tens medo de ser atendida, istoé, tens medo da humildade e das humilhações, tens medo de certas privações na comida, nos hábitos e comodidades da vida, tens medo de deveres sorrir a uma pessoa antipática e tratá-la bem: numa palavra, tens medo de deveres desembaraçar-te de tantas misérias, que agora te são caras. E com estes receios não conseguirás dar largos passos no caminho da santidade.

Toma cuidado; põe de parte toda a reserva e todo o medo, e vive com generosidade. Não temas, que comigo terás tudo a ganhar e nada a perder. Aquele coração que te peço, afinal, é propriedade minha, e se eu o exijo para mim, não é para te privar d'Ele, mas só para enchê-lo todo de mim, do meu amor, e torná-lo feliz da minha própria felicidade. E não te agradaria ter o coração feliz?

Jesus eu Vos amo em todos os Sacrários da terra, vinde ao meu coração, vinde vivei em mim e transformai-me!